O pastor John Piper é uma voz muito respeitada no meio evangélico – eu mesmo já publiquei um post sobre um livro comovente que ele escreveu sobre o racismo (ver mais detalhes).
Infelizmente, uma outra contribuição teológica sua é desastrosa, levando-me até a questionar se Ele serve o mesmo Deus que eu.
A divergência parte do debate sobre as guerras travadas pelo povo de Israel contra os canaanitas durante a conquista da Terra Prometida. E no relato bíblico, há textos onde Deus aparece dizendo aos israelitas para matar toda a população inimiga.
Olhada sob a ótica moderna – dos direitos humanos -, essa orientação parece ser cruel e injusta. Eu já comentei neste blog (ver mais detalhes) que avaliar práticas políticas e sociais em vigor cerca de 3.000 anos atrás com base em critérios vigentes hoje em dia, é um erro chamado anacronismo.
O povo de Israel estava inserido numa realidade onde não havia piedade para com os perdedores de uma guerra. Era uma questão de matar ou morrer, até porque a terra existente não conseguia prover alimentos para todos – a agricultura ainda era muito rudimentar.
E é nesse contexto que devemos analisar o que a Bíblia relata sobre aquelas guerras. Portanto, a forma de encarar o que aconteceu e o papel de Deus naqueles fatos precisa levar isso em conta.
O fato é que Deus estabeleceu um relacionamento com seu povo através do qual lhe foi ensinando, aos poucos, quais eram os caminhos corretos. E isso pode ser percebido claramente quando se compara a forma de tratar inimigos estabelecida no Velho Testamento – retribuir na mesma medida o mal recebido, isto é “olho por olho” – e no Novo Testamento – “amai os inimigos”.
Deus sabia que o povo iria evoluir pouco a pouco nas suas práticas sociais. Assim, a revelação plena e final da sua vontade somente veio com o Evangelho de Jesus, cerca de 1.400 a 1.200 anos depois das guerras dos israelitas com os canaanitas.
Tenho certeza que o Pastor John Piper sabe isso tudo, pois tem uma formação acadêmica excelente. Mas, quando lhe foi apresentada a mesma questão – porque Deus teria orientado o massacre de populações inimigas de Israel -, Piper saiu-se com a seguinte resposta:
“É correto que Deus chacine mulheres e crianças em qualquer momento em que Ele assim o deseje. Deus dá a vida e pode tomar a vida. Todas as pessoas que morrem, morrem por que Deus assim o deseja … Ele não faz nenhum mal para ninguém quando tira a vida daquela pessoa, quer com a idade de 2 semanas ou de 92 anos.”
Eu confesso que fico meio sem palavras ao ler tal tipo de declaração – a mídia aproveitou para fazer o maior barulho com essa frase, acusando o cristianismo de intolerante.
Não consigo ver como esse tipo de hiper-realismo pode levar as pessoas a aceitar o
evangelho de Jesus. E nem como esse tipo de abordagem pode ajudá-las a enfrentar suas dificuldades. É mais ou menos dizer o seguinte, para quem sofre de doença incurável:
“Deus é o soberano do universo e Ele pode escolher destruir sua vida e/ou dos seus entes queridos quando e onde quiser. Ele não deve nada a você, portanto, você não pode acusá-lo de nada se Ele fizer isso agora.”
Infelizmente essa posição hiper-realista encontra outros defensores além do Pastor Piper. São aqueles(as) que entendem que a soberania de Deus é absoluta e por isso Ele faz o que bem quer e ninguém pode reclamar nada.
O problema com essa doutrina é ela ser apenas parcialmente verdadeira. Realmente Deus é soberano, mas uma coisa é o potencial que Deus tem para fazer tudo aquilo que quiser e outra bem diferente é aquilo que Ele realmente faz. E a diferença entre uma coisa e outra está relacionada com o caráter de Deus e isso faz toda a diferença.
Eu prefiro acreditar – e acho ter base bíblica para tanto – que Deus quase sempre segue o caminho da misericórdia e do amor. Só em ocasiões extraordinárias, onde não mais esperança de recuperação das pessoas, como no caso de Sodoma e Gomorra, Ele é rigoroso. Mas na maioria dos casos, Deus é misericordioso – por exemplo, Ele perdoou o povo de Nínive, quando as pessoas se arrependeram, após o chamado feito pelo profeta Jonas.
Outro ponto de discordância que tenho com o Pastor Piper é que, bem lá no fundo, há um certo sentimento de superioridade em quem defende o mesmo ponto de vista dele. Duvido que Piper tivesse a mesma tranquilidade se pessoas chacinadas fossem da sua família ou os seus amigos.
Vejo o mesmo problema na teologia da predestinação – Deus teria escolhido de antemão algumas pessoas para serem salvas e outras para mandar para o inferno. Nunca li um livro, onde essa doutrina seja defendida, no qual o(a) autor (a) reconheça que foi predestinado(a) para o inferno. Tais livros são sempre escritos sob o ponto de vista de quem se julga predestinado para a salvação e aí fica fácil afirmar tal tipo de coisa.
Finalmente, discordo também porque vejo nesse tipo de postura teológica a matriz onde é gerado o radicalismo, que tanto mal já causou e ainda causa no mundo, sob a desculpa de fazer a vontade de Deus.
E é por doutrinas radicais desse tipo que cristãos(ãs) “sinceros(as)” matam médicos que fazem abortos, agridem gays, invadem e destroem terreiros de religiões afro, dentre outros absurdos, dando testemunho de intolerância e crueldade para a sociedade onde vivem.
Com carinho