O medo é uma das emoções mais complicadas que existem. Às vezes o medo atrapalha e, noutras vezes, ajuda. O medo pode paralisar, impedindo que a pessoa progrida e venha a alcançar seus sonhos. Ele pode indicar também falta fé em Deus e uma vida espiritual pobre. Em ambos os casos o medo atrapalha e muito. Mas, o medo também pode ser um amigo, alertando a pessoa do perigo e fazendo-a se prevenir.
Em outros textos da série sobre o medo aqui mesmo no site, falei muito sobre o lado negativo do medo. E hoje é a hora de falar do outro lado da moeda: quando o medo ajuda.
Outro dia li o depoimento de uma jovem executiva que sofria nas mãos de um chefe emocionalmente abusivo. Ele espalhava o terror entre seus subordinados e parecia sentir prazer com isso. O medo e o estresse dessa moça chegaram a um nível insuportável e isso obrigou-a a agir – era uma questão de sobrevivência.
Quando entrou na reunião decisiva, onde estavam seu chefe, o chefe dele e outras pessoas, ela estava tremendo e suando frio. As pernas bambearam. Mas, não havia alternativa. A jovem enfrentou o chefe e, para surpresa dela mesma, venceu a parada.
Depois da reunião, ela sentiu grande alívio. Foi como se um peso enorme tivesse sido tirado das suas costas. E só aí ela se deu conta que o medo a tirara da sua zona de conforto. Empurrara-a para agir. O medo se tornara seu amigo.
A Bíblia também tem diversos relatos de situações desse tipo. Por exemplo, Davi, antes de subir ao poder, foi muito perseguido pelo rei Saul, que tinha ciúme da popularidade de Davi entre o povo de Israel. Por causa disso, Davi precisou fugir várias vezes e viveu uma vida sem ter pouso certo. A certa altura dos acontecimentos, Davi passou a morar na cidade de Queila, em relativo conforto. Tudo parecia bem. Mas, aí ele se deu conta de haver perigo à vista – veja o relato de 1 Samuel 23:10-13:
Então orou: “Ó Senhor, Deus de Israel, este teu servo ouviu claramente que Saul planeja vir a Queila e destruir a cidade por causa dele. Será que os cidadãos de Queila me entregarão a ele? Saul virá de fato, conforme teu servo ouviu? Ó Senhor, Deus de Israel, responde”. E o Senhor disse: “Ele virá”. Davi, novamente, perguntou: “Será que os cidadãos de Queila entregarão a mim e a meus soldados a Saul? ” o Senhor respondeu: “Entregarão”. Então Davi e seus soldados, que eram cerca de seiscentos, partiram de Queila, e ficaram andando sem direção definida. Quando informaram a Saul que Davi tinha fugido de Queila, ele interrompeu a marcha.
Davi ficou sabendo que Saul vinha no seu encalço e sentiu medo. Como Queila era uma cidade murada, os muros da cidade o protegeriam de um ataque de surpresa, mas também poderiam se transformar numa armadilha, impedindo-o de fugir, caso fosse necessário. Tudo iria depender, portanto, da fidelidade dos líderes da cidade a ele.
O medo de Davi fez com que ele ficasse alerta e perguntasse a Deus sobre sua situação. Queria saber o que iria lhe acontecer, caso continuasse em Queila. E Deus respondeu que ele seria traído e entregue nas mãos de Saul.
Essa passagem traz um ensinamento paralelo importante – Deus não sabe somente o que vai acontecer, mas também o que poderia ter acontecido em diferentes circunstâncias (o chamado conhecimento hipotético).
A partir da revelação que Deus lhe deu, Davi saiu do seu relativo conforto e fugiu de novo, voltando à vida errante. Mas, preservou a própria vida.
O medo ensina
Todo sentimento forte tem algo a informar e, portanto, precisa ser escutado. No caso do medo, o primeiro passo é entender que se trata de um processo provocado por reações químicas no cérebro, começando com uma descarga de adrenalina, seguida de aceleração cardíaca, tremores e suores frios. E o gatilho desse processo é um estímulo físico e/ou mental, ou seja, um sinal qualquer de perigo.
Essa resposta fisiológica tem por objetivo preparar o corpo humano para fugir ou reagir à ameaça. E sem ela, não haveria como a pessoa se antecipar ao perigo. Ela continuaria agindo normalmente, sem perceber a ameaça à sua frente. Nesse sentido, o medo é uma reação útil, pois ajuda a manter a integridade física e emocional da pessoa.
Tudo isso deixa claro que o medo é uma reação inevitável. Lembro que até Jesus teve medo, na noite em que foi preso, quando estava orando no jardim do Getsêmani, quando chegou a suar sangue.
A questão real é aprender a lidar com esse sentimento de forma positiva. Transformá-lo num amigo e não deixar que ele paralise a pessoa. Trata-se de conquistar o medo.
Uma boa metáfora para explicar a postura adequada diante do medo é a luz amarela de um semáforo. Trata-se de um sinal de alerta, levando o motorista a tomar cuidado. A presença do medo, portanto, indica ser preciso avaliar a situação e tomar as necessárias cautelas, antes de prosseguir. O medo evita que a pessoa aja de forma impulsiva, o que poderia trazer-lhe grande prejuízo, gerando arrependimento.
Agora, o medo não pode ser visto como uma luz vermelha, que manda a pessoa parar imediatamente e não mais seguir em frente. Considerar o medo como uma luz vermelha, sem qualquer análise mais profunda da situação, traz inibição e paralisia, que já discutimos em outro momento (veja aqui).
Em conclusão, o medo é bom nas doses certas e quando dirigido para o alvo correto. Quando leva você a refletir e se acautelar. E é ruim quando extrapola do razoável e/ou está focado no lugar errado.
Como, então, separar o medo “bom” do medo “ruim”? Você precisa desenvolver sabedoria e discernimento e há cinco coisas que ajudam muito nesse processo. E a primeira delas é orar sempre. Pedir ajuda a Deus para entender a situação à sua frente, as causas do seu medo e assim por diante. Todos os grandes heróis da fé tinham na oração constante uma das suas principais armas espirituais.
Segundo, aprenda a fazer seu “inventário” emocional. Isto é, torne-se consciente dos sinais que seu corpo emite e aprenda a decodificar essas informações. E uma coisa que ajuda muito nesse aprendizado é fazer a “autópsia” de eventos passados, ou seja, analisar suas reações nesses casos e as consequências das suas atitudes.
Terceira, adquira a capacidade de separar o “joio” do “trigo”, isto é, passe a entender claramente o que é importante em cada situação desafiadora. Isso parece simples de fazer, mas as pessoas costumam ter muita dificuldade em separar o “joio” do “trigo”, pois confundem o importante com o secundário.
Certa vez Jesus estava na casa de Lázaro, Marta e Maria, ensinando as pessoas presentes. Maria sentou-se aos pés de Jesus e ouvia seus ensinamentos, mas Marta ficou pela casa, atarefada com os trabalhos domésticos. E Marta acabou se incomodando com a aparente “folga” da irmã. Veja o relato de Lucas 10:38-42):
Caminhando Jesus e os seus discípulos, chegaram a um povoado, onde certa mulher chamada Marta o recebeu em sua casa. Maria, sua irmã, ficou sentada aos pés do Senhor, ouvindo-lhe a palavra. Marta, porém, estava ocupada com muito serviço. E, aproximando-se dele, perguntou: “Senhor, não te importas que minha irmã tenha me deixado sozinha com o serviço? Dize-lhe que me ajude!” Respondeu o Senhor: “Marta! Marta! Você está preocupada e inquieta com muitas coisas; todavia apenas uma é necessária. Maria escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada”.
Marta tinha boa intenção, apenas queria receber bem seu hóspede (Jesus). Mas, perdeu noção daquilo que importava verdadeiramente. Maria, sua irmã, entendeu melhor qual deveria ser sua prioridade e colocou seu foco nela.
Assim como Marta fez, é comum a pessoa focar naquilo que importa pouco, mas, por algum motivo, causa angustia. E, no caso do medo, o importante é entender os gatilhos que levam a pessoa a reagir de forma amedrontada.
Quarto, desenvolva capacidade de aprender com seus acertos e erros. Há pessoas que conseguem fazer isso, usando suas próprias experiências de vida para crescer. Já outras repetem continuamente seus erros, pois sempre fazem as mesmas escolhas e, ainda assim se irritam quando sua vida não muda para melhor.
José aprendeu com sua experiência. Ele era um adolescente mimado, por ser o filho preferido de Jacó. Não tinha muita sensibilidade para o ciúme que despertava nos dez irmãos mais velhos. Não se importava muito com isso. e nunca se deu conta dos sinais de perigo.
Um dia os irmãos decidiram se ver livre dele e o venderam como escravo para uma caravana que ia para o Egito. José teve uma vida muito difícil no Egito, mas, com a ajuda de Deus, acabou progredindo e chegando a ser o primeiro-ministro do faraó. E, nesse cargo importante, José conseguiu salvar sua família, quando ela passou por grave crise de fome.
José aprendeu com seu sofrimento e mudou. Tanto foi assim, que ele perdoou seus irmãos e conseguiu entender um plano divino na sua trajetória. José entendeu que Deus tinha feito do “limão” uma “limonada”.
Finalmente, peça ajuda quando o medo bate às portas. E essa ajuda pode vir de mentores, pastores, terapeutas e/ou familiares. O importante é encontrar alguém que possa ajudar você a analisar racionalmente suas questões. E, inclusive, os eventuais desdobramentos espirituais das suas possíveis decisões.
Os homens têm muito mais dificuldade de fazer isso do que as mulheres. Eles frequentemente acham que buscar ajuda é prova de fraqueza. E com isso jogam fora um instrumento que poderia vir a ajudá-los muito. Mulheres usam melhor esse recurso, mas, às vezes, cometem o erro oposto. Falam com gente demais, procuram conselhos em todos os lugares e acabam ficando confusas com as sugestões contraditórias.
Esses cinco passos vão ajudar você a entender se o medo à sua frente é do tipo “bom” ou “ruim” e orientá-lo na melhor forma de lidar com ele. Sempre com ajuda de Deus. Amém.