Há três diferentes tipos de retrato de Jesus que podem ser construídos:
- Real: descrição do homem que viveu na Galiléia cerca de 2.000 anos atrás – o que Ele gostava, a quem amava, por onde andou, o que vestiu, o que falou, etc.
- Histórico: construído com base nos textos bíblicos (por exemplo, os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João) e outros registros históricos.
- Espiritual (aceito pela fé): o retratoque os cristãos construíram ao interpretar os relatos históricos sobre a vida de Jesus e refletirem sobre o significado disso para suas vidas. Pertence ao retrato espiritual a declaração que Jesus é o Salvador da humanidade.
Boa parte das controvérsias que existem a respeito da figura de Jesus nascem na falta de entendimento das características necessariamente diferentes de cada retrato e do entendimento que eles necessariamente foram construídos de forma diferente. Vejamos mais detalhes sobre essa discussão:
Histórico x Real
O Jesus histórico é necessariamente uma visão simplificada do homem real. A própria Bíblia reconhece que o relato da vida de Jesus nela contido reflete apenas uma parcela do que Ele fez durante sua vida.
Agora, essa diferença entre “histórico” e “real” não é um problema restrito a Jesus. Ela aparece na análise da vida de qualquer personagem histórico. Afinal, nunca se pode conhecer tudo sobre a vida de uma pessoa, como, por exemplo, os pensamentos mais íntimos dela. Sempre há uma limitação nas informações que os historiadores e analistas conseguem captar, processar e apresentar num relato histórico, na forma de livro, filme ou outro coisa qualquer.
Os historiadores sempre precisam fazer uma seleção daquilo que será incluído no retrato histórico que vão construir. Usarão seu melhor julgamento para definir o que vão incluir e o que vão deixar de fora. E isso é inevitável. Um exemplo é a descrição do nascimento de Jesus: apenas dois evangelhos, Mateus e Lucas, abordaram essa questão. Os outros dois escolheram nada falar, provavelmente por terem entendido haver coisa mais importante a relatar (é preciso levar em conta que seu espaço era limitado).
E ao fazer sua seleção dos fatos a relatar, o autor do retrato em construção pode introduzir distorções, voluntárias ou propositais. Ele pode, por exemplo, esconder fatos ruins para “pintar” uma imagem mais favorável da pessoa retratada.
É exatamente isso que muitos historiadores ateus alegam que os autores dos quatro evangelhos fizeram. Acusam os evangelistas de terem maquiado a imagem de Jesus, escondendo coisas ruins e incluindo apenas o que era bom. Será que isso aconteceu mesmo?
Não é o que podemos verificar ao ler os evangelhos com cuidado – existem vários relatos que poderiam ter sido facilmente excluídos para “embelezar” o retrato de Jesus. O fato de terem sido mantidos indica que houve preocupação dos evangelistas de relatar o que de fato aconteceu. Vejamos alguns exemplos:
- Jesus disse que sua preocupação maior não era com sua família mas sim com seus discípulos – essa declaração parece demonstrar falta de amor por sua mãe e irmãos (Mateus capítulo 12, versículos 46 a 50).
- O questionamento quanto a paternidade real de Jesus, presente durante toda a sua vida. Há relatos na Bíblia em que Jesus é referido apenas como filho de Maria, o que era uma ofensa naquela época.
- A indicação que as primeiras testemunhas da ressurreição de Jesus foram mulheres. Ora, naquela época, a palavra das mulheres não era aceita nos tribunais, por não ser considerada confiável. O relato dos evangelhos teria sido muito mais facilmente aceito se as testemunhas fossem homens.
Há muitos outros exemplos, mas esses bastam para provar que não houve maquiagem do retrato histórico de Jesus. Os autores dos evangelhos escreveram a verdade, como a conheciam. Tiveram que fazer escolhas quanto ao que relatar e o que deixar de fora, mas isso era inevitável.
Histórico x Espiritual
Como já disse, o retrato de uma figura importante da história é necessariamente incompleto. Ainda assim é esse material que serve de base para qualquer reflexão sobre o significado maior da vida daquela pessoa.
E esse tipo de reflexão é bastante comum. Por exemplo, existem várias biografias de Getúlio Vargas, que foi Presidente do Brasil por muitos anos. Agora, o entendimento de como ele inspirou o comportamento dos seus seguidores e a sociedade brasileira na sua época vai além desses retratos históricos, pois envolve outras questões de cunho cultural, como aspectos psicológicos, sociológicos e políticos. E o resultado de qualquer análise depende sempre da forma como o analista olha para a realidade – por exemplo, no caso de Getúlio Vargas, se o analista tem uma visão dita de direita vai chegar a conclusões diferentes de outro analista dito de esquerda.
E o mesmo se pode dizer de outros personagens históricos importantes, como Mahatma Ghandi, Maomé, Confúcio, etc. Cada um deles representa hoje, para aqueles que os admiram e seguem seus ensinamentos, bem mais do que seus respectivos retratos históricos demonstram. Ghandi é o pai da Índia moderna, o inspirador de uma nova sociedade. Maomé é o profeta de uma grande religião. E Confúcio é o fundador e o representante da sabedoria chinesa.
A mesma coisa aconteceu com o personagem Jesus. Seus seguidores fizeram reflexões, a partir dos fatos históricos relatados, e chegaram a conclusões sobre o significado teológico mais amplo da sua vida. Vemos isso claramente nas cartas do apóstolo Paulo – elas fazem uma avaliação ampla do significado de Jesus como salvador da humanidade, filho de Deus, etc.
As reflexões dos pensadores cristãos sobre Jesus vêm se acumulando há cerca de dois mil anos. Depois de Paulo, muitos outros teólogos, como Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Calvino e Wesley aprofundaram essas conclusões. Sendo assim, o retrato espiritual de Jesus tem sofrido evoluções ao longo da história. As bases dele tem sido mantidas, mas os detalhes tem evoluído e isso é bom, pois a cultura humana também tem mudado ao longo do tempo.
Logo, não há qualquer problema na existência de um retrato espiritual de Jesus, construído pelos seus seguidores. A questão verdadeira é se esse retrato mais amplo de Jesus, que vai além do histórico, tem suporte nos fatos conhecidos. Em outras palavras, se houver conflito entre os fatos históricos e o retrato espiritual, aí poderia ser afirmado que os cristãos criaram uma lenda.
E esse problema tem acontecido com frequência em relação a outros personagens históricos. Por exemplo, a imagem que os muçulmanos hoje fazem de Maomé não bate com a realidade de um homem que liderou guerras de conquista e o mesmo pode se dizer da imagem de defensor das liberdades que muitos intelectuais de esquerda fazem de Fidel Castro, esquecendo-se das terríveis perseguições políticas ocorridas em Cuba.
Será que o retrato espiritual de Jesus construído pelos cristãos sofre desses males? Terão os cristãos criado uma lenda? Essa é a discussão que de fato importa.
E há muito a dizer em defesa da fé cristã e infelizmente não tenho espaço aqui para aprofundar esse debate – há várias outras postagens aqui no site onde falo sobre isso. Mas vou dar dois exemplos do que está envolvido nessa discussão.
Muitos historiadores ateus duvidam se Jesus sabia do papel que lhe iria ser atribuído pelos seus seguidores: o de salvador da humanidade. Eles defendem a tese que Jesus nunca afirmou tal coisa e isso seria uma lenda criada pelos cristãos. Na verdade, há várias passagens na Bíblia demonstrando que Jesus conhecia bem seu papel. Por exemplo, em João capítulo 6, versículo 51, Ele disse:
“Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo, é a minha carne.”
Outro questionamento comum tem a ver com o conhecimento que Jesus, depois de ressurgir dos mortos, teria a respeito dos fatos futuros. Se Ele não conhecia o que haveria de acontecer, como afirmar sua divindade? A base para essa crítica é um texto onde Jesus parece ter profetizado que o apóstolo João não morreria até sua segunda vinda (João capítulo 21, versículos 20 a 23). Como João morreu e Jesus ainda não voltou, a profecia estaria errada.
Se o texto citado for lido com cuidado, pode ser percebido que Jesus não disse nada disso. Pedro quis se meter numa conversa entre Jesus e João e aí recebeu como resposta que, se o Senhor quisesse, poderia fazer qualquer coisa, até fazer com que João permanecesse vivo.
Esses são apenas dois exemplos, mas há muito mais. E você, cristão, pode ter certeza que é perfeitamente possível demonstrar que nada há de lendário no retrato espiritual que os cristãos construíram de Jesus.
As pessoas podem até não acreditar em Jesus – afinal, isso é um direito delas, garantido pelo livre arbítrio que Deus lhes deu. Mas, se alguém deixar de acreditar em Jesus, que não seja por conta dessas críticas infundadas à doutrina cristã.
Nossa fé é inteiramente segura e completamente apoiada pelos fatos históricos conhecidos. Pode ter certeza disso.
Veja mais sobre esse tem aqui.
Com carinho