O GRITO DAS EMOÇÕES

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Vamos começar uma nova série de aulas, com base no trabalho desenvolvida na classe da Escola Dominical da Catedral Metodista de São Paulo, liderada pela pastora Carol e por mim, com a participação do pastor Acadêmico Clébson. O tema é: o grito das emoções.

Emoções são como o vento: não se sabe ao certo quando vão chegar ou ir embora. E quando acabam, costumam deixar um monte de destroços pelo caminho. Por causa disso, em vários círculos cristãos, as emoções são desestimuladas e muitas delas até rotuladas de não espirituais. O cristão sempre ouve que nunca pode perder o controle e precisa se arrepender de qualquer sentimento considerado negativo. Mas, o fato é que não há muito como controlar completamente as próprias emoções. Afinal, são elas que conectam o mundo interior da pessoa com os altos e baixos da sua vida.

Na verdade, muitas emoções costumam ser discriminadas simplesmente porque revelam questões internas que as pessoas não se sentem confortáveis em encarar. Por isso é mais confortável evitar a intensidade dos próprios sentimentos, afivelando uma máscara de calma e tranquilidade, deixando de correr o risco de ver o vento das próprias emoções destelhar a “casa” da vida.  

Emoções são boas ou ruins?
A forma tradicional de discutir emoções num círculo cristão é começar qualificando algumas delas como “boas” e outras como “ruins”. Emoções boas seriam alegria, amor, companheirismo, misericórdia, coragem e assim por diante. Emoções ruins seriam ódio, inveja, ciúme e outras desse tipo. Qualificadas as emoções, o passo seguinte seria aprender a desenvolver as boas emoções e eliminar, ou pelo menos conter, as ruins.

Mas, aí vem a psicologia e embaralha o jogo ao explicar que as emoções, em si mesmas, não são nem boas nem ruins. Elas simplesmente são. O “certo” ou “errado” estaria relacionado com os atos das pessoas praticados com base nas suas emoções. Portanto, tentar rotular previamente as emoções como boas ou ruins, torna mais difícil a pessoa se expressar honesta e abertamente, gerando frustrações e neuroses.

A resposta tradicional da doutrina cristã é que a abordagem da psicologia não leva em conta a tendência do ser humano para o mal. Para o cristianismo, o problema básico do ser humano seria sua rebelião contra Deus, seguida da tentativa de evitar as responsabilidades decorrentes dos próprios pecados. O ser humano seria pré-disposto a colocar outras coisas na frente de Deus (idolatria) e também a procurar o caminho mais fácil para sair das situações incômodas, apelando para a mentira, a racionalização dos próprios pecados e outras coisas assim.

Por causa disso, diz a doutrina cristã, o tratamento das emoções não pode ser feito apenas pelo maior conhecimento da pessoa sobre si mesma, como defende a psicologia, porque esse caminho deixa de lado a necessidade de trabalhar a relação da pessoa com Deus. Ele se torna uma figura complementar na solução dos problemas humanos, ao invés de ser o condutor desse processo.

O que o “grito das emoções” pode ensinar?
Nesta série, vamos tentar trabalhar o “grito das emoções” de outro ângulo, fugindo do debate se existem ou não emoções boas e ruins. Nosso enfoque aqui será diferente: os sentimentos, quaisquer que sejam eles, são um bom indicador de como anda a relação da pessoa com Deus. Ou seja, vamos olhar para as emoções por um ponto de vista espiritual.

Mas, antes de embarcar nessa viagem, é preciso trazer uma palavra de cautela: emoções envolvem uma interação complexa entre corpo e mente. A pessoa não sente medo ou raiva apenas na sua mente, ela sente isso também no seu corpo. Portanto, é perigoso imaginar ser possível enfrentar as lutas emocionais apenas através de uma abordagem espiritual, como propõem certos líderes cristãos desavisados. Certas emoções, como ansiedade ou depressão, envolvem forte componente físico, que precisa ser tratado com medicamentos e intervenções terapêuticas.

Falar para quem está sofrendo fisicamente por causa das suas emoções que basta se acertar com Deus que todo mal-estar irá passar, é colocar uma carga adicional sobre a pessoa em sofrimento, pois ela não vai conseguir fazer isso e fatalmente também passará a sentir culpa.

Feita essa observação de cautela, podemos começar nossa caminhada. E começamos propondo que você aprenda a ouvir o que suas emoções estão lhe dizendo. Procure não rotular essas emoções de antemão e tente entender o que elas contam sobre você mesmo/a e sobre sua inserção numa sociedade conturbada e injusta. E, nesse sentido, a psicologia tem muito a nos ensinar. Feito isso, use o conhecimento adquirido para avaliar como anda sua relação com Deus, buscando melhorá-la e aprofundá-la.

É relativamente fácil demonstrar que suas emoções testemunham sobre sua relação com Deus. Por exemplo, a ansiedade costuma estar relacionada com a percepção que a vida não é previsível. A inveja costuma estar relacionada com o fato de a pessoa perceber que a vida não parece ser justa. Já o ciúme frequentemente nasce na insegurança quanto a perder algo que se ama e, portanto, o ciúme testemunha sobre a insegurança da vida.

Ora, se lembrarmos que Deus é o autor e consumador da vida (Hebreus 12:1-2), essas mesmas questões podem ser reapresentadas da seguinte forma: Deus é confiável? Deus é justo? Deus traz segurança para quem nele crê? Resumindo, Deus é mesmo quem a Bíblia diz que Ele é?

Portanto, não há dúvida que as emoções falam da sua relação com Deus. Quer dizer, então, que seria válido dizer que a pessoa em boa relação com Deus desenvolve apenas boas emoções? E se ela tiver sentimentos ditos ruins, essa relação está comprometida? Seria fácil se fosse tão simples assim. Mas, não é, pois o quadro é muito mais complicado.

A Bíblia traz muitos exemplos de emoções normalmente consideradas como ruins – como ira, revolta ou tristeza -, que se tornaram o caldo de cultura para um processo de mudança, onde a pessoa acabou por reencontrar a luz divina e reforçar sua fé.

Nunca podemos esquecer que Deus se revela muito mais às pessoas nos momentos escuros das vidas delas do que nos momentos de conquista e alegria. O famoso escritor cristão C. S. Lewis, com muita razão, ponderou que o sofrimento humano é o megafone da voz de Deus. Logo, a falsa calmaria (apatia) é um inimigo muito maior para a fé humana do que a emoção turbulenta e difícil.

É por isso que o Salmo 77:1-10 convida você a apresentar seus sentimentos turbulentos a Deus:

Clamo a Deus por socorro; clamo a Deus que me escute. Quando estou angustiado, busco o Senhor; de noite estendo as mãos sem cessar; a minha alma está inconsolável! Lembro-me de ti, ó Deus, e suspiro; começo a meditar, e o meu espírito desfalece. Não me permites fechar os olhos; tão inquieto estou que não consigo falar. Fico a pensar nos dias que se foram, nos anos há muito passados; de noite recordo minhas canções. O meu coração medita, e o meu espírito pergunta: “Irá o Senhor rejeitar-nos para sempre? Jamais tornará a mostrar-nos o seu favor? Desapareceu para sempre o seu amor? Acabou-se a sua promessa? Esqueceu-se Deus de ser misericordioso? Em sua ira refreou sua compaixão?” Então pensei: a razão da minha dor é que a mão direita do Altíssimo não age mais.

Assumir abertamente os próprios sentimentos perante Deus não é pecado e nem gera punição severa. Muitos cristãos pensam que Deus quer ordem, conformidade e calma. Mas, os Salmos comprovam que Deus quer mesmo é seu envolvimento apaixonado com Ele. O salmista convida você a questionar, duvidar e até se enraivecer com Deus. E as poesias dos Salmos fornecem até as palavras necessárias para que você vocalize essa luta desesperada. Veja alguns exemplos:

Estou exausto de tanto gemer. De tanto chorar inundo de noite a minha cama; de lágrimas encharco o meu leito. Os meus olhos se consomem de tristeza; fraquejam por causa de todos os meus adversários. Salmo 6:6-7

Em Deus nos gloriamos o tempo todo, e louvaremos o teu nome para sempre. Mas agora nos rejeitaste e nos humilhaste; já não sais com os nossos exércitos. Diante dos nossos adversários fizeste-nos bater em retirada, e os que nos odeiam nos saquearam. Tu nos entregaste para sermos devorados como ovelhas e nos dispersaste entre as nações. Vendestes o teu povo por uma ninharia, nada lucrando com a sua venda. Tu nos fizeste objeto de vergonha dos nossos vizinhos, de zombaria e menosprezo dos que nos rodeiam. Salmo 44:8-13

Afastaste de mim os meus melhores amigos e me tornaste repugnante para eles. Estou como um preso que não pode fugir; minhas vistas já estão fracas de tristeza. A ti, Senhor, clamo cada dia; a ti ergo as minhas mãos. Acaso mostras as tuas maravilhas aos mortos? Acaso os mortos se levantam e te louvam? Será que o teu amor é anunciado no túmulo, e a tua fidelidade, no Abismo da Morte? Acaso são conhecidas as tuas maravilhas na região das trevas, e os teus feitos de justiça, na terra do esquecimento? Mas, eu, Senhor, a ti clamo por socorro; já de manhã a minha oração chega à tua presença. Por que, Senhor, me rejeitas e escondes de mim o teu rosto? Salmo 88:8-14

 Parece ser muito mais fácil perceber uma ligação forte com Deus quando estão presentes emoções como amor, alegria e paz, pois tudo isso é diretamente emanado dele. Mas, a experiência que fica da leitura dos salmos, é que são as emoções difíceis que de fato aproximam a pessoa de Deus e demonstram envolvimento com Ele. São as emoções difíceis que vão estabelecer intimidade, cumplicidade e confiança na presença e na atuação dele.

Quando a tempestade das emoções bater às portas da sua vida, é aí que você vai perceber com clareza o lugar que Deus ocupa na sua vida. Esses sentimentos vão deixar claro aquilo que você de fato espera que Ele faça na sua vida. E são essas emoções que vão esclarecer e definir se seus propósitos estão de fato alinhados com os dele.

O que é uma emoção boa?
Como suas emoções apontam para a direção do seu coração, a pergunta “o que você sentindo?” é equivalente a perguntar “em que direção você está se movendo?”. Sendo assim, é razoável dar seguimento à pergunta “o que você está sentindo?”, com outra questão ainda mais importante: será que você está se movendo na direção de Deus ou se afastando dele?

Essa percepção nos permite propor uma outra definição do que seja emoção boa ou ruim. A emoção boa é aquela que aproxima você de Deus, enquanto a emoção ruim faz exatamente o oposto. Em outras palavras, não é a natureza intrínseca do sentimento que é boa ou ruim, e sim o que ele causa em termos da sua relação com Deus.

Assim, a alegria que vier a afastar você de Deus, por estar muito preocupado/a em comemorar as coisas boas da vida, pode ser muito ruim. Já a raiva e a decepção, se fizerem você olhar para dentro de si mesmo/a e entender onde errou, gerando uma reaproximação com Deus, podem ser extremamente produtivas.

Concluindo, aprenda a ouvir o grito das suas emoções e a discernir o que esses sentimentos contam para você sobre sua vida espiritual. Se os sentimentos aproximam você de Deus, eles colaboram para seu bem. Caso contrário, eles são negativos.

E é esse tipo de análise que vamos aprofundar ao longo da nova série. Portanto, venha conosco.

Veja a agenda de aulas da nova série, com a relação completa dos temas que serão estudados.

  1. Introdução: Veja aqui o áudio da aula 

2. A ira não justificada: Veja o texto básico e ouça o áudio da aula

 

3. A ira justificada: Ouça o áudio da aula

 

4. Orgulho: Ouça o áudio da aula

 

5. Desejos sombrios: inveja, ciúme e cobiça 

Ouça o áudio da aula

 

6. O ciúme de Deus: Veja o resumo da aula aqui e ouça o áudio da aula

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