QUANDO JESUS NÃO CHAMOU DEUS DE PAI

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Jesus, durante seu ministério, introduziu uma novidade teológica importante: Chamou com frequência Deus de pai. Um bom exemplo disso está na primeira frase da sua mais conhecida oração: “Pai nosso que estás no céus…” 

E a palavra que Jesus usou para se referir a Deus (“Abba”, na língua aramaica), é mais ou menos o equivalente, no português, a “papai”. Era uma maneira informal e carinhosa dos filhos chamarem seus próprios pais.

Ora, os judeus, na época de Jesus, referiam-se a Deus sempre de forma muito cerimoniosa, usando palavras como “Senhor” ou “Eterno”. Uma abordagem bem diferente da usada por Jesus. Portanto, ao chamar Deus de “Pai”, nosso Mestre introduziu uma importante mudança teológica, ensinando que devemos olhar para Deus também como nosso Pai celestial. E nós fazemos isso até hoje – na maior parte das vezes os cristãos se referem a Deus como seu Pai.
 
Agora, houve um momento na vida em que Jesus não se referiu a Deus como Pai. Isso ocorreu quando Ele estava pregado na cruz, em sofrimento extremo. Ele clamou: “…Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste” (Mateus capítulo 27, versículo 46).

Essa exclamação é uma citação literal do versículo 1 do salmo 22 e Jesus fez uso das palavras do salmista para indicar como Ele mesmo se sentia: angustiado e desamparado por Deus.
 
Um pouco antes de ser preso, Jesus pediu a Deus que, se possível, Ele fosse poupado do sofrimento cruel que estava por vir. E naquela oportunidade, um momento também de grande angustia, Jesus chegou a suar sangue. Mas ainda assim Ele se referiu a Deus como Pai (Mateus capítulo 26, versículo 34).
 
Mas na cruz, nos momentos finais da sua vida, Jesus falou de forma diferente. Ele se sentiu desamparado e solitário e chamou seu Pai de “Deus meu“, ou seja, uma forma de falar mais fria e formal.
 
É claro que o sofrimento explica essa mudança no comportamento de Jesus. Naquele momento terrível da sua vida, Jesus representou cada um de nós, quando nos sentimos abandonados por estamos passando por situação muito difícil e Deus parece ficar calado. Sentimo-nos lutando sozinhos e aí bate o desespero, que pode chegar até mesmo à decepção com Deus.
 
João da Cruz, talvez o maior místico do mundo ocidental, chamou esse tipo de momento de “a noite escura da alma” e chegou a escrever um livro belíssimo com esse mesmo título. Davi, no salmo 23, chamou esse momento de a “travessia do vale da sombra da morte“.

E o grande escritor cristão C.S. Lewis, autor das “Crônicas de Nárnia”, descreveu o mesmo tipo de momento da seguinte forma – ele estava sofrendo muito porque a única mulher que amou na vida estava morrendo:

Mas se você vai até Ele quando sua necessidade é desesperada, quando todo outro tipo de ajuda é vão, o que você encontra? Uma porta é fechada na sua cara e você ouve um som de fechadura sendo trancada. Depois disso, silêncio … Por que Ele é tão presente no nosso tempo de prosperidade e tão ausente no momento de dificuldade?

Se você está passando pela “noite escura da alma“, eu tenho uma palavra de esperança para você: o silêncio de Deus não é indiferença ou inércia. Não foi assim quando Jesus estava pregado na cruz, não foi assim quando Davi foi perseguido pelos seus inimigos ou mesmo quando C. S. Lewis viu sua amada definhar aos poucos. 
Na verdade, Deus é um grande mistério para nós, já que seus motivos e sua lógica são bem diferentes. Deus não  poupou Jesus da cruz porque o sacrifício do seu Filho abriria as portas da salvação para todos nós. E permitiu que Davi fosse perseguido para que ele aprendesse, com o próprio sofrimento, a ser um rei melhor para Israel e também desse um testemunho maravilhoso (a maioria dos salmos), que nos inspira até os dias de hoje. 
 
Deus pensa de forma diferente e pode ser difícil aceitar isso, mas não há como fugir dessa realidade. E Deus usa o sofrimento para trazer o ser humano mais para perto dele.

Então, a forma de enfrentar a “noite escura da alma” é se agarrar ainda mais a Deus. Buscá-lo ainda com mais intensidade. E foi isso que Jesus fez, quando estava na cruz. E como eu sei disso? Simplesmente analisando o que Jesus fez naquele momento.

Jesus falou do seu desespero, citando o primeiro versículo do salmo 22. Mas, não fez isso por acaso. Ocorre que, nesse mesmo salmo, um pouco mais adiante (versículos 23 e 34) está registrado o seguinte: 

Vós que temeis o SENHOR, louvai-o; glorificai-o, … pois não desprezou nem abominou a dor do aflito, nem ocultou dele o rosto, mas o ouviu, quando gritou por socorro.

Ao citar o salmo 22 para expressar o que sentia, Jesus falou tanto do seu desalento momentâneo, como também da sua certeza que Deus iria ouvi-lo e cuidar dele no tempo certo. E não há maior expressão de confiança do que essa. E é essa mesma certeza que deve servir de consolo e incentivo para você, alimentando sua fé tanto hoje, como sempre.

Veja mais sobre este tema aqui.

Com carinho

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