A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NO MEIO CRISTÃO

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O tema de hoje é muito triste e difícil: a violência doméstica contra a mulher no meio cristão.

A violência contra a mulher é um grande problema na sociedade brasileira como um todo, a ponto de ser preciso contar com delegacias especializadas e leis específicas – como a famosa “Maria da Penha” – para combater esse tipo de conduta masculina. Agora, será que os homens cristãos tratam suas mulheres de forma melhor do que o restante da sociedade, exatamente por serem cristãos?

Infelizmente, acredito que não. Mas como posso afirmar isso? Os dados de que disponho são indiretos, mas acredito que permitem embasar tal conclusão. Eu me explico.

Não há muitas pesquisas brasileiras feitas de forma abrangente no meio cristão, focadas para estudar a questão da violência doméstica contra a mulher – as denominações cristãos não costumam se interessar muito por conhecer verdadeiramente seus problemas. Mas, posso citar uma pesquisa feita pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, cujos dados vieram de relatos de ONG´s não governamentais, que trabalham no atendimento a vítimas desse tipo de violência. Os resultados indicam que 40% das mulheres vítimas de violência eram evangélicas – uma verdadeira epidemia.

Há muitos dados coletados em outros países que apontam na mesma direção. Por exemplo, há uma pesquisa conduzida pela organização Kyria (www.kyria.com), envolvendo 1.800 mulheres cristãs nos Estados Unidos, que mostrou números ainda pioress: 52% delas já tinha sofrido violência moral, 30% foram vítimas de violência física e 18% passaram por violência sexual. 

E é surpreendente perceber que tais estatísticas de violência contra a mulher são bem semelhantes àquelas levantadas para a população americana como um todo. Ou seja, nos Estados Unidos, o cristianismo não conseguiu transformar verdadeiramente o comportamento da população masculina nessa questão. O mundo secular e as comunidades cristãs tratam a mulher de forma bem parecida, o que é chocante, para dizer o mínimo. 

Ora, a sociedade brasileira é mais machista que a americana, portanto, as barreiras a serem enfrentadas aqui são ainda maiores do que lá. E não parece razoável imaginar que o discipulado dos homens nessa área seja melhor no Brasil que nos Estados Unidos, até pelo fato do problema nem ser muito reconhecido no meio cristão daqui.  

Portanto, não há porque imaginar que “nossos cristãos” comportem-se de forma melhor do que “os cristãos deles” na questão da violência contra a mulher. Acredito mesmo que as maiores chances são para que esse problema seja ainda maior no Brasil, apenas não temos pesquisas que comprovam cientificamente isso. 

E noto isso claramente nos depoimentos de mulheres feitos para este site. Elas normalmente não escrevem para cá com o objetivo de se queixar da violência doméstica e sim querem discutir seus problemas conjugais. Mas, quando descrevem sua situação, os sinais desse tipo de violência, numa de suas três formas possíveis, quase sempre se fazem presentes. 

Vale a pena fazer um parêntesis aqui para lembrar as três diferentes formas que a violência doméstica contra a mulher costuma assumir e a primeira delas é a violência moral: Trata-se das situações onde o homem deliberadamente procura atingir violentamente a mulher nas emoções (especialmente na auto-estima) e/ou moral. 

Comete esse tipo de violência o homem que faz críticas agressivas e constantes, chamando a mulher de burra, gorda, feia ou inútil. Como também aquele que tenta controlar todos os passos dela por causa do seu ciúme obsessivo. Ou ainda quem propositadamente danifica objetos com valor sentimental para sua mulher. Sem esquecer aquele que faz chantagem constante – do tipo “vou me separar e deixar você sem sustento” – para constranger a mulher a se comportar como deseja.  

violência física ocorre quando o homem fere fisicamente a mulher, mas sem que haja conotação sexual. Esse tipo de violência é muito perigosa porque tende a ir crescendo, à medida em que o homem vai perdendo a noção da dignidade da sua mulher. E lemos com frequência relatos na mídia de situações desse tipo que acabaram em tragédia.

Finalmente, há também a violência de natureza sexual, quando o homem força o sexo com a parceira, contra a vontade dela, por entender que ela é sua propriedade e tem obrigação de satisfazê-lo. 

Por que no meio cristão é ainda pior?
Infelizmente, a cultura que prevalece no meio cristão dificulta muito o tratamento objetivo das situações de violência doméstica contra a mulher. Isso porque os líderes cristãos, até com razão, dão enorme importância à preservação do casamento e costumam ficar numa “saia justa” quando diante de situações onde a separação parece ser a única saída adequada.

O dilema que se instala – a prioridade deve ser a união conjugal ou a preservação da dignidade da mulher? – costuma dificultar o aconselhamento da mulher vitimizada. E não poucas vezes os conselhos dados são francamente inadequados.

Por exemplo, um ensinamento largamente aceito no meio cristão é ser pecado separar-se, exceto em caso de flagrante adultério. E é ensinado a essas mulheres que se vierem a se separar, não poderão construir novas relações conjugais, sob pena de virem a adulterar (e perder sua salvação). Escolha terrível, especialmente quando a mulher vitimizada é jovem. 

Penso que esse não é o ensinamento bíblico correto (veja mais). E usar tal tipo de argumento com mulheres vítimas de violência, a meu ver, beira à crueldade.

Outro tipo de conselho errado é aquele que apela para o perdão, mandamento dado por Jesus que é sempre lembrado nessas horas. A isso se soma o fato que homens violentos costumam também ser manipuladores: derramam-se em pedidos de perdão, afirmam que o Espírito Santo tocou seus corações e vão mudar de comportamento, etc. Não é de se estranhar, portanto, que muitas mulheres vitimizadas acabem por aceitar os parceiros agressores de volta e o ciclo de violência se perpetue…

Jesus mandou perdoar, sim, mas isso não quer dizer que Ele pediu para a mulher vitimizada se reconciliar de forma ingênua. Perdão e reconciliação são coisas bem diferentes (veja mais). Assim como o alcoólatra pede perdão 100 vezes e sempre acaba por voltar ao vício, precisando ser afastado do convívio da família para tratamento, o homem violento também costuma reincidir nas agressões e a mulher precisa ser afastada dele.

Outro conselho errado é aquele que apela para o princípio da submissão da mulher, fazendo uso de conhecida passagem de 1 Pedro (capítulo 3, versículos 3 a 7). Costuma ser dito para a mulher vitimizada que ela precisa aguentar  firme – conheço um caso em que se chegou ao absurdo de dizer que a mulher deveria se esforçar mais para agradar o marido, inclusive no aspecto sexual. E isso a fez se sentir culpada e incompetente…

Não tenho espaço aqui para analisar em detalhe esse texto de 1 Pedro, mas garanto que não está dito ali, ou em qualquer outro lugar da Bíblia, que mulheres precisam se submeter à violência dos seus homens. Lembro também que, no versículo 7 Pedro deixou claro que o marido precisa honrar a mulher e que ela é herdeira, com ele, da graça da vida.

Resumindo, o problema da violência doméstica contra a mulher frequentemente se torna ainda pior – até mais cruel – no meio cristão, porque a cultura existente costuma fazer com que as vítimas se sintam culpadas, pecadoras e/ou incompetentes. E por causa disso hesitem em tomar as medidas de proteção que precisam, perpetuando a violência que sofrem. Já vi isso acontecer várias vezes. E isso é muito triste. 

Essa situação vai contra tudo que Jesus ensinou: o sofrimento dessas mulheres precisa ser melhor compreendido. Elas precisam ser ajudadas e apoiadas quando estiverem lutando para conseguir mudar e reconstruir suas vidas. Simples assim.

Com carinho

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